terça-feira, 5 de outubro de 2010

Primeira vez

O dia amanheceu ensolarado. Pela janela, o chão coberto por papeizinhos, típico cenário do pleito brasileiro. O vento carregava centenas de “colinhas” dos candidatos pelas ruas. Ela acordou em cama estranha, vestiu-se, tomou seu desjejum e partiu para sua odisséia.
Sim, esta é mais uma daquelas histórias que um dia vamos rir. Mas nesta houve risadas histéricas antes mesmo do início.
 
Tudo começou em 2008. Aos 16 anos, Dona Michele foi fazer o título de eleitor. Ingênua como de usual, pôs o mesmo local de voto do então “namorido” – no Belém Velho, a uma hora e meia e três linhas de ônibus da sua própria casa - , e não votou naquele ano. O resto é bastante previsível – separou-se do moço e não conseguiu mudar o local de voto a tempo (venceu em maio o prazo, não é mesmo?), tendo como resultado a alegria de ir votar num lugar desconhecido.

Isso não seria um problema se o lugar não fosse NO MEIO DO MATO. Pesquisando o endereço do ex para ter algum ponto de referência, ela descobriu que a rua do guri sequer aparecia no Google Maps, de tão fim-de-mundo que era. Por mais desesperador que isso fosse, era inegavelmente cômico.

Por fim, graças a mapas e itinerários online, nossa heroína conseguiu elaborar um trajeto relativamente simples, composto apenas por avenidas. O único problema – além da prevista espera (de impacientar monge) pelos ônibus – era: as ruas do bairro Belém Velho não tem placas.

Não há placas! Como uma reles mortal há de encontrar uma rua chamada Leonardo da Vinci na esquina da Mariante? Qual a Mariante? Aliás, impressionante a quantidade de nomes europeus para as ruas de um bairro com esgoto a céu aberto: Leonardo da Vinci, Veneza, Miguel Ângelo... (se bem que Veneza faz sentido em dias de chuva. Eu lembro.)

Como sempre acontece no final das histórias, a sorte conspira a favor dos que não temem e o sucesso é alcançado: um anjo anônimo de olhos azuis me abordou assim que subi no terceiro ônibus. Com seus poderes do além, adivinhou o colégio em que eu votava e me conduziu até lá. Anjos Pessoas boas realmente existem (anjos não votam na Dilma – nem no Serra, mas isso é óbvio).

Anônima desceu comigo Leonardo da Vinci abaixo. Portoalegrense, você acha a Rua da Ladeira íngreme? Pode até ser, mas te garanto que não há areia nem brita em nenhum trecho ao invés de calçada. Você, de all star com a sola lisa de tão velha, literalmente rola rua abaixo.

E chega no colégio. Não há fila. Silêncio apavora.
Você vota pela primeira vez (sejam gentis comigo, candidatos) e fica esperando a urna te imprimir um comprovante, mas é o mesário quem te dá. E você escala a rua de volta à faixa (no caminho, é interceptada por um diabinho anônimo que lhe diz “ah, mas eu vou ter que te oferecer um!” – não se preocupe, mamãe, não fui aliciada) e se senta na parada de ônibus: missão cumprida.

Pensei que fosse morrer esperando ônibus, de pé no ônibus, de pé na fila e perdida na vila... deu tudo certo! Pela letra, é visível que estou no ônibus e, por estar escrevendo, veja só, estou SENTADA! Supreendente.

Por fim, você se senta no murinho de pedra no “terminal de baldeação”, esperando o segundo ônibus para voltar para casa, e torce para não ter segundo turno. É, eu sei, a Marina não vai ganhar, mas isso é só porque ela é do Acre, e não porque o povo só sabe votar em quem pode pagar pelo melhor marketing eleitoral. Imagina.

Agradecimentos especiais para:
- Google Maps
- Hagah
- EPTC.com
- TRE e sua burocracia maravilhosa
- anônima de olhos azuis